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#bringbackourgirls

Solidariedade digital vale?

Abril de 2014, o mundo assiste perplexo ao sequestro de 276 estudantes nigerianas de dentro de uma escola na cidade de Chibok, pela milícia radical islâmica Boko Haram. Motivo: meninas não podem estudar. O próprio nome do grupo tem como significado “a educação ocidental é pecado.” Estamos em plena segunda década do século XXI e a questão de gênero é mais atual do que nunca, como se não houvéssemos deixado o século XIX.

 

A grande mudança, que nos situa no contemporâneo, aparece na repercussão dos casos. Num mundo instantâneo conectado por redes sociais, a informação espalha-se com velocidade e permite que a comunidade internacional exerça pressão sobre o País que apresenta o problema da vez. Neste caso, o mais populoso da África, há décadas cindido por questões religiosas entre muçulmanos e católicos.

 

Não apenas a comunidade política tem seu papel na nova ordem, mas a sociedade civil, que encontra novas inéditas de se organizar e de se fazer ouvir via Twitter, Facebook e Instagram. Segundo o filósofo Pierre Levy, uma das maiores autoridades em cibercultura, o ativismo on-line é uma das manifestações ou consequências inevitáveis desta cultura digital: “é necessário investir, portanto, em alfabetização digital para elevar o nível do debate na internet”, afirma Levy.  Dominar esse novo ambiente e seus novos códigos ou hashtags é condição para extrair o melhor do que a conectividade pode oferecer.

 

Que o diga Hadiza Bala Usman, uma das principais ativistas e organizadoras da campanha  #BringBackourGirls que inundou as mídias sociais, num crescendo, apenas alguns dias após o sequestro. Desesperados para chamar atenção sobre o caso, Hadiza e um pequeno grupo de 6 amigos trocavam e-mails diários sobre o assunto, quando coletivamente elaboraram o slogan  - "bring back our girls"  ou "devolvam nossas meninas" –  sem saber, estavam fazendo história criando uma das # mais compartilhadas de 2014, alçada ao posto de campanha global.

 

Primeiro compartilhada por Hadiza com seus 125 mil seguidores no twitter. Na sequência, multiplicada por personalidades das mais diversas áreas – como o rapper americano Chris Brown, o ator Sean Pean, até a jovem militante paquistanesa Malala Yousufzai, que sobreviveu ela própria a um atentado promovido pelo Talibã, em 2010, pelo mesmo motivo: sua insistência em estudar. 

Em 9 de Maio, a #bringbackourgirls já havia aparecido 1.8 milhão vezes no Twitter, desde o dia 14 de abril, data do sequestro, segundo o Topsy.com, um website de análise de redes sociais. Sendo 1.4 milhão em apenas uma semana. 

 

A magnitude dos números confirma o que o jornalista e doutor em ciências da comunicação pela USP, professor Caio Túlio Costa, em seu texto Por que a Mídia é Revolucionária?, mostra que acredita ser uma das principais características da rede: sua pervasividade, isto é, onipresença em todos os suportes. 

 

Vinte e quatro dias após o sequestro, as redes sociais explodem em uníssono pedindo a volta das meninas em segurança. O twitter lidera o movimento com a hashtag #bringbackourgirls aparecendo 412 mil vezes, ao longo de um único dia, mantendo-se assim entre os trending topics do microblog.

 

Já no Facebook, as maiores páginas voltadas para o caso atraíram juntas cerca de 94 mil likes em menos de um mês, ao mesmo tempo em que uma petição redigida em vários idiomas na página Change.org, conclamava os principais líderes mundiais a intervirem oferecendo ajuda à Nigéria. Mais de 706 mil assinaturas foram colhidas, segundo matéria do 3news.co.nz.

 

Está em curso a nova forma de manifestações sociais. É o cenário previsto por Levy em sua obra: “a internet vai liderar as revoluções e contra-revoluções do futuro. E o Poder Político estará nas mãos daqueles que conseguirem reunir e analisar estas “opiniões/dados” que são postados voluntariamente e apontam importantes tendências da sociedade”.

 

Nesse sentido a vida digital reproduziria os interesses da vida analógica, mas permitindo uma evolução muito mais rápida da posição de opinião para a posição de engajamento. Teria sido esta capacidade de análise que levou a primeira-dama dos Estados Unidos a se manifestar sobre o assunto logo após o significativo 9 de Maio? Aproveitando o feriado do dia das mães, Michelle Obama é quem pede a palavra no horário nobre da TV no dia seguinte ao record do Twitter, para cumprimentar as mães americanas e chamar atenção para o pesadelo das mães nigerianas, atendendo à uma comoção social. 

 

 

 

 

 

 

Os Números – Redes Sociais como uma Potência 

Se estratégica ou espontânea, fato é que a declaração de Michelle coloca o sofrimento imposto às estudantes – meninas com idades entre 11 e 17 anos – num outro patamar. Classificado por Angelina Jolie como  “crueldade impensável”, o sequestro ganha realmente maior espaço na mídia clássica, além da atenção de importantes players do cenário internacional, como França, China, Canadá e Reino Unido, além dos Estados Unidos de Michelle e Barack. Entre as ações oferecidas, o envio de analistas e o fornecimento de dados via satélite para que se descubra o local para onde as meninas foram levadas. 

Para Caio Túlio, o ciberespaço é tão atraente porque “...proporciona, de forma inequívoca, uma comunicação bidirecional, instantânea e pervasiva. Exatamente o oposto do que sempre foram o livro, o jornal, a revista ou mesmo a televisão”. 

Segundo o media man, Jeff Jarvis (Tulio, Caio – Por que a nova mídia é revolucionária) o futuro das comunicações passa pelo empoderamento do usuário: “dê as pessoas o controle da mídia e elas usarão. Nâo dê às pessoas o controle da mídia e você as perderá.”

 

Jenkins, em entrevista à Alonso (2008) considera que mais importante do que tentar controlar as comunidades on-line, é conseguir inspirá-las. A capitulação oficial surge no fim do ano de 2006 quando a revista Time elege “você” (“you”) a personalidade do ano, reconhecendo a emergência da web 2.0 e o poder do internauta como produtor de conteúdos. O ativismo é, sem dúvida, um conteúdo.

 

Neste mundo com a “inteligência coletiva” cunhada por Levy, os conteúdos operam de duas formas: atraem e agrupam pessoas com interesses comuns e oferecem a elas algo para decifrar, debater. (Alonso, 2008).

Uma coisa é certa, no Ocidente, a maioria dos governos parece já ter entendido o imenso poder das mídias sociais, como mostra o gráfico abaixo em que o Twitter figura como legítimo representante da nova esfera pública: a digital.  

Será que haveria tanta mobilização sem o barulho das redes? 

Enfim, uma luz se acende no fim do túnel e, pressionado, o país mais populoso da África, oferece uma recompensa de 50 milhões de nairas (o equivalente a US$ 300 mil) para quem forneça informações factíveis sobre o paradeiro das garotas sequestradas. Como o Boko Haram também prática sequestros para conseguir dinheiro para o grupo, poderia ser um caminho para uma negociação.

Hadiza Bala Usman comemora no Facebook: "A campanha realmente superou minhas expectativas. Vivemos um momento em que é preciso que os nigerianos saibam que podem usar as redes sociais. Vocês não podem nos fazer sumir, nós temos  voz".

Mas, seis meses depois a crise se arrasta. E apenas a Imprensa clássica segue num esforço para lembrar o sequestro. As redes sociais não mais estão mobilizadas em torno do assunto, consumindo rapidamente novas causas.

Nove meses se passam e em novembro de 2014, a situação ainda não teve uma solução.  Mais de 200 meninas ainda permanecem reféns da milícia extremista. Os números são imprecisos porque o governo trabalha com a possibilidade de algumas terem conseguido retornar para suas casas e a família estar mantendo a informação em segredo. Sabe-se que cerca de 50 fugiram e há relatos de que mais de uma teria morrido ao saltar do caminhão em movimento. O ativismo nas redes não foi o suficiente. 

Ativismo de Sofá: Válido ou Falacioso? 

Embora exista uma grande vontade de acreditar que podemos – cada um de nós - fazer a diferença do sofá de casa e o potencial das redes sociais faça a balança pender a favor deste raciocínio, a verdade é que a discussão entre o “sofatisvismo” ser válido, como quer Levy ou apenas uma falácia, está apenas começando.

 

Sem dúvida é uma expressão legítima, como prega o filósofo. Mas é também eficaz?

 

A falta de sucesso e resultados em casos como o das estudantes mantidas reféns abre espaço para posições dissonantes como a da respeitada ativista do movimento negro, D.A. Lovell, radicada na Inglaterra, que declarou em 12 de Maio ao site The Root.com: “não posso dar apoio à campanha #bringbackourgirls”.  

 

Lovell esclarece a declaração polêmica. “...quero as estudantes nigerianas de volta para suas casas em segurança tanto quanto todo mundo quer. Mas me preocupa que a hashtag possa funcionar mais como uma distração on-line que distancia o indivíduo de engajamentos realmente significativos e de longo termo”.  

 

Enquanto Piérre Levy acredita que a facilidade em apertar o enter e participar de um abaixo assinado, por exemplo, não invalida a iniciativa; Dellal posiciona-se firmemente contrária ao que considera uma armadilha: a falsa sensação de dever cumprido promovida por uma assinatura ou um compartilhamento que, na verdade, não vão contribuir para influenciar desfechos ou provocar mudanças de mentalidades.

O tema é tanto novo quanto espinhoso. E Lovell nos alerta para a cilada de uma consciência apaziguada em vez de atitudes assertivas.

“Eu não sou contra o ativismo on-line... mas não acredito que ele se preste para todas as causas. O ativismo de hastag deve ser usado de forma mais criteriosa...”, revela Lovell para logo na sequência emendar: “Em algumas situações corre-se o risco de que as mídias sociais tratem de forma leviana ou superficial certos assuntos e obscureçam políticas subjacentes, além de não nos permitir compreender o quadro como um todo”.

Lovell chegou a aderir, mas desistiu da campanha pelo retorno das estudantes depois de apenas alguns compartilhamentos. “Me preocupa que as pessoas sintam um injustificável senso de contribuição ”.

Se, por um lado, a posição de Lovell pode soar antipática, por outro confirma uma triste realidade: após semanas de engajamento on-line, em que a hashtag suscitou a atenção de inúmeros países, em diferentes continentes, a cobertura da notícia não foi o suficiente para fazer a diferença para as pessoas no centro deste terrível acontecimento: as garotas nigerianas, não apenas não foram trazidas de volta, como permanecem, ainda hoje, em situação de grande perigo.

 

“O ativismo digital não é tão poderoso quanto as pessoas imaginam quando falamos de resultados ou de situações em que é necessário mais do que apenas despertar atenção”, provoca Lovell. Mas então o que ajudaria? Quais as alternativas? O “barulho” das redes pode, de fato, não ser o suficiente para influenciar um desfecho favorável em muitos casos, mas também é certo que sem ele talvez estivéssemos ainda mais longe de conseguir movimentos importantes como o suporte oferecido à Nigéria por diversos países após a pressão nas redes que culminou com a declaração de Michelle Obama.

A ativista sugere “seguir quem esteja realizando um trabalho real, como muitas organizações dedicadas à proteção e à manutenção de meninas ao redor do mundo. Contribuir com elas pode fazer mais pela causa do que um retweet e vai mantê-lo ligado à questão mesmo depois que o Twitter mudar para o próximo trending topic”.

 

Já Lori Brown, professora de sociologia da Meredith College, na Carolina do Norte acredita que no caso das meninas nigerianas a pressão das redes influenciou sim a condução do caso “a enorme proporção da campanha nas redes sociais forçou o governo Nigeriano, o governo Americano e a mídia tradicional a prestarem atenção ao problema”.

Enfim, a vocação do ciberativismo como protagonista de mudanças ainda está em xeque, pelo menos neste momento da História. O que não diminui sua importância como coadjuvante ao lado das mídias clássicas. Se as redes puderem multiplicar o interesse das pessoas por assuntos que antes, talvez, nem chegassem a elas, já terão cumprido um importante papel.

Para Shelby Knox, executiva sênior do site Change.org.,esta foi uma das questões mais relevantes em torno do caso #bringbackourgirls: “pessoas de todo o planeta foram mobilizadas, em vez de apenas aquelas próximas à região do conflito, o que na maioria das vezes vemos acontecer”. 

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