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Doutorando em História Econômica, com enfoque em História da Tecnologia, o pesquisador da Universidade de São Paulo (USP), Tiago Soares, jornalista de formação, foi coordenador de Comunicação e gerente de projetos no Coletivo Digital, uma das principais ONGs brasileiras dedicadas ao debate da cibercultura e gestor de Comunicação Digital na Fundação Perseu Abramo. Soares atua como militante do software livre e da cultura livre, colaborando e palestrando em eventos como o Fórum Internacional de Software Livre e o iSummit, conferência regular do Creative Commons.  É também colaborador de grupos de estudos sobre Ciência e Tecnologia na Unicamp, UFRGS e USP.

 

É ele quem responde ao Ativismo I Internet o que se fortalece e o que se enfraquece no ativismo com o advento da internet.

 

 

Ativismo e Internet: A internet reconfigurou o ativismo no Brasil e no mundo? De que forma? Caso tenha reconfigurado, o que se fortaleceu e o que se enfraqueceu com o advento da internet na dinâmica do ativismo?

 

Tiago Soares: É interessante, ao refletir sobre a Internet, que levemos em consideração que a rede, a web e os novos espaços de comunicação que emergem nisso são forjados, essencialmente, a partir das tensões a moverem a sociedade. Isso significa que, no fundo, os espaços do "virtual" e do "real" são manifestações humanas - e, como tal, submetidas às disputas, poderes e utopias que desenham o mundo. É o que, por exemplo, o pesquisador da tecnologia Evgeny Morozov tenta explicar quando fala que a internet não é um mecanismo autônomo autogerido, surgido num momento de gênese espontânea; a internet são as pessoas.

 

Podemos, nesse sentido, pensar que a internet reconfigura o ativismo ao oferecer novas ferramentas de intercâmbio de dados. Ela torna possíveis novas dinâmicas de auto-organização, comunicação e mobilização. O uso de ferramentas de comunicação sempre foi parte essencial da ação mobilizadora - seja com livros e panfletos, seja com rádios piratas e estúdios audiovisuais independentes, seja com a internet. É meio senso comum que a internet ofereceu, num curtíssimo espaço de tempo se compararmos historicamente, ferramentas de comunicação de amplo alcance poderosíssimas, acessíveis ao grande público, e a custos baixos. E esse movimento oferece todo um novo espectro de espaços e dinâmicas de mobilização: potencializa redes de ativismo deslocalizadas, permite interfaces para ações coordenadas entre grupos diversos, acelera o tempo e o alcance de ações de mobilização, torna mais acessíveis ferramentas sofisticadas de produção multimídia.

 

De todo modo, todas essas ferramentas são, ainda, colocadas em movimento a partir de forças tradicionais de mobilização - quer dizer, isso tudo só faz sentido a partir do momento em que é apropriado por grupos organizados da sociedade, quando é utilizado para a participação política e social.

 

Embora o fenômeno do barateamento e multiplicação de ferramentas de tecnologia e comunicação sofisticadas, poderosas, seja algo, em minha opinião, positivo, é válido lembrar que elas também trazem, em si mesmas, tensões dos espaços do poder da vida real: para que sejam postas em funcionamento, torna-se imperativo o domínio de processos tecnológicos, de códigos de programação, de práticas complexas da comunicação. E é bem possível que o acesso ao conhecimento para pleno uso da tecnologia, muitas vezes, seja menos amplo e aberto que o acesso às tecnologias em si.

 

 

AI: É possível relacionar a internet com a efemeridade de determinadas causas, como o caso da Bring Back Our Girls, que envolveu centenas de pessoas influentes e simplesmente não se fala mais no caso, mesmo não tendo sido resolvido?

 

TS: A dinâmica da mobilização em rede, não raras vezes, mostra-se alicerçada em relações pontuais, frágeis num longo termo. As redes não são fixas - são maleáveis, sedimentadas e reconfiguradas a partir de tensões e objetivos tão reais quanto pontuais. 

 

Um lado bom é que o espaço das redes (que, numa definição aberta, alguns teóricos e ativistas costumam chamar de Cultura Livre) oferece possibilidades de ampla e aberta participação - a adesão individual e o apoio a causas da sociedade civil é hoje possível de forma deslocalizada, sem restrições geográficas. E um amplo número de causas é, também, mais visível, o que potencializa esse fenômeno.

 

Essa intensificação e reverberação de agendas, porém, não raro é resultado de mobilização mais circunstancial. E não há nada de errado nisso - esse tipo de mobilização é algo a ter permeado a história ao longo do século XX. É possível que a internet, nesses movimentos, evidencie uma questão mais ampla: os desafios da viabilização de ações de mobilização permanente. Algo que, apesar de todas as novas ferramentas oferecidas aos ativistas, talvez ainda traga alguns dos mesmos desafios enfrentados pelos movimentos sociais ao longo dos últimos 100 anos.

 

 

 

AI: Há quem critique o engajamento daqueles que se envolvem nas causas apenas manifestando seu apoio nas redes sociais - os chamados ativistas de sofá. Você acha que esse tipo de engajamento é prejudicial às causas defendidas ou existe alguma importância nesse tipo de envolvimento também?

 

 

TS: Gosto de pensar que a internet é um espaço da sociedade, uma esfera de mediação. Não é incomum, por exemplo, que apoiadores de causas ativistas manifestem, há décadas, alguma participação em ações pontuais, não tão intensivas como o corpo a corpo, a mobilização de rua. Como o simpatizante que, mesmo não ligado a espaços de mobilização permanente, financia pontualmente ações ativistas, por exemplo. 

 

Hoje é um tanto mais barato/prático/rápido manifestar apoio espontâneo a uma causa, mas isso não necessariamente aponta para um "falso ativismo", ou para o esvaziamento do debate. Afinal, a construção da massa crítica a ir para a rua passa pela participação do amplo corpo da sociedade. E o espaço de construção de credibilidade de uma causa usualmente desenha uma via de mão dupla - uma retroalimentação entre a adesão/apoio e a validação do apoio. Um grupo organizado a articular uma causa pode, por exemplo, rechaçar o apoio de setores de sociedade que considere antagônicos ao que defende. 

 

Ao fim, creio que isso tenha a ver com o fato da mobilização permanente e a participação política pontual serem, ambos, processos da construção social e da política. E, nisso, talvez sejam complementares antes de excludentes.

 

 

 

AI: Há ativistas que se colocam contra estratégias de divulgação de causas em larga escala em redes sociais com receio de que se perca a seriedade em função da campanha. Um exemplo foi o filme Gota D’água, que ajudou a disseminar a discussão sobre Belo Monte. Qual a sua avaliação em relação a esse tipo de estratégia de comunicação em rede?

 

TS: Essa é uma questão complicada. É possível que tenha a ver com o que falei na questão anterior, sobre a dinâmica de apoio e validação de apoio no ativismo. A respeito de Belo Monte, minha impressão foi a de opiniões divididas: de um lado, ativistas felizes pela visibilidade dada à causa pela ampla campanha e pelo vídeo estrelado por nomes da TV; de outro, militantes incomodados com uma impressão de protagonismo dado a personagens que, embora apoiadores pontuais, na maioria dos casos pareceriam distantes do esforço de mobilização permanente e da construção da agenda ambiental.

 

Como estratégia de comunicação, é difícil discordar que o esforço foi bem sucedido - a questão de Belo Monte ganhou corpo nestes anos, se estabelecendo como uma das mais conhecidas e apoiadas pelo público alinhado às agendas de setores da esquerda e do movimento ambiental. Mas trata-se de um caso específico, bem sucedido quanto às complexidades do trabalho de construção da campanha e das estratégias de comunicação. No fim do dia, cada campanha com pretensões de amplo alcance tem que enfrentar os desafios de seu campo de ativismo e mobilização. Há um equilíbrio delicado na "tradução" e engajamento de causas ativistas no debate da comunicação de massa - em meio digital ou não.

 

 

 

AI: Você acha que plataformas de advocacy, que têm como intenção interferir em políticas públicas - como Avaaz,  Nossas Cidades- são eficazes em seu objetivo ou têm mais força em divulgar a causa do que em realizar advocacy?

 

TS: Creio que as duas práticas - as plataformas de advocacy e a ação de advocacy em si - são esforços complementares, dimensões que não chegam a se sobrepor. Nas plataformas, há uma ferramenta de amplo acesso que potencializa a interface das causas com o debate público, mas que tem, também, limitações. Isso porque essas plataformas, embora sejam ferramenta interessante para divulgar causas e mapear apoios, não comportam em si as forças e agentes necessários para a proposição e disputa no espaço da política institucional.

 

Um abaixo-assinado com muitos proponentes numa plataforma de advocacy pode ser promissor para a participação social e política. De todo modo, a viabilização das propostas de abaixo-assinados ainda passa pela disputa no campo institucional da vida real - pela noção tradicional de participação e pressão da sociedade civil. Quer dizer, num horizonte de mudança, o abaixo-assinado precisa, nos espaços da vida real, ser apropriado e encaminhado pela sociedade civil para a sua realização como ferramenta de proposição e disputa. Mesmo com toda a democratização das novas ferramentas de comunicação, e com as automações por elas viabilizadas nos processos de circulação da informação, essas ferramentas continuam sendo ferramentas. E a ação política e o ativismo ainda seguem relacionados aos espaços da vida, da rua e das instituições pelos quais tem sido historicamente moldados.

AI Entrevista

                      Tiago Soares

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