top of page

“No início de 2014, o fenômeno conhecido como rolezinho ganhou ampla visibilidade nacional e internacional. Trata-se de adolescentes das periferias urbanas que se reúnem em grande número para passear nos shopping centers de suas cidades. O evento causou apreensão nos frequentadores e fez com que alguns proprietários dos estabelecimentos conseguissem o direito na justiça de proibir a realização dos rolezinhos, barrando o acesso dos jovens. Desde então, emergiu um amplo debate sobre segregação na sociedade brasileira.”

                                                                                         

                                                                                             Rosana PinheiroMachado e Lucia Mury Scalco, em marcas, consumo e segregação no Brasil

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Desde a midiatização, quando a maioria descobriu o rolezinho, o debate girou em torno da motivação. Os desejos, as necessidades e as vontades desses jovens que viviam à margem, enfim despertaram o interesse da sociedade. O que eles querem? E por quê? É um ato político? Um movimento social? Kids just want to have fun?

 

“Seria importante, nessa direção, distinguir o rolezinho – o ato de ir ao shopping para consumir e se divertir realizado há muitos anos pelos jovens da periferia das grandes cidades do Brasil – do Rolezinho, o fenômeno que ganhou visibilidade nacional e internacional e acabou se transformando em outra coisa, mas ainda em continuidade com as suas origens.” A distinção apontada em Rolezinhos: marcas, consumo e segregação no Brasil, artigo assinado pela antropóloga Rosana Pinheiro-Machado e pela socióloga Lucia Mury Scalco, apoia-se também em trabalho antecedente, uma pesquisa etnográfica sobre consumo popular realizada em Porto Alegre, no ano de 2009.

 

Mestrando em Sociologia, o pesquisador Waldir Lisboa Rocha Filho credita parte da controvérsia ao “caráter ambíguo” do fenômeno. “Se por um lado inexiste algo como um programa e/ou demandas estabelecidos, que configure um sentido político mais explícito, há por outro uma clara tensão política provocada pelos comportamentos historicamente inabituais dos jovens (ou pelo menos vistos dessa forma), que configuram uma disputa pelos espaços concretos e simbólicos da cidade.”

“A ‘tomada’ dos shoppings pela juventude da periferia pode também ser interpretada como uma agressão à geografia classista do espaço urbano, uma ameaça à tranquilidade intramuros dos mais privilegiados. Como dizem Vera Regina Veiga França e Raquel Dornelas, apoiando-se no pensamento do filósofo Jacques Rancière, em Bonde da ostentação: o que os “rolezinhos” estão dizendo sobre os valores e a sociabilidade da juventude brasileira, ocorre um ato político ‘no momento em que há um questionamento [dos] lugares e funções colocados como consensuais pela ordem policial e hegemônica’. E isso é algo que, de forma mais ou menos consciente, a garotada dos rolezinhos provoca.”, conclui Rocha Filho.

#SãoPauloDizNão

Fonte: Datafolha. O instituto entrevistou 799 moradores da cidade de São Paulo, com 16 anos ou mais, em 21.jan.2014. A margem de erro do levantamento é de quatro pontos percentuais para mais ou para menos.

Entre as manifestações contrárias, destacou-se O rolezinho da inveja. Ou: a barbárie se protege sob o manto do preconceito, texto do colunista Rodrigo Constantino. “Não toleram as ‘patricinhas’ e os ‘mauricinhos’, a riqueza alheia, a civilização mais educada. Não aceitam conviver com as diferenças, tolerar que há locais mais refinados que demandam comportamento mais discreto, ao contrário de um baile funk. São bárbaros incapazes de reconhecer a própria inferioridade, e morrem de inveja da civilização.” Polêmico.

 

Ainda assim, e apesar de o rolezinho ter dividido opiniões desde o início, quando medida em números, a desaprovação do paulistano impressiona. Rocha Filho, no entanto, recomenda cautela com o resultado. “A pesquisa deve ser interpretada com cuidado. É muito importante compreender que a imensa maioria dos entrevistados não opinou sobre o “fenômeno real”, mas sobre uma ou mais representações construídas midiaticamente. O que se viu na mídia se aproxima muito de uma caricaturização calcada em uma associação desproporcional entre os encontros realizados pelos jovens e a ocorrência de problemas, como furtos e correrias.”

 

“O instituto infelizmente não se preocupou em saber quantos dos ‘82% dos paulistanos’ chegaram a presenciar um dos encontros, limitando-se à pergunta absolutamente subjetiva sobre o grau de informação em relação ao fenômeno. Tal informação poderia colaborar para a investigação de minha hipótese de que a desaprovação teria sido maior entre os que só viram os rolezinhos através dos veículos de comunicação. De qualquer forma, é nítido que a maioria da população nunca presenciou um desses encontros e que, diante das representações midiáticas disponíveis, uma alta reprovação era de se esperar”, ele complementa.

 

Rocha Filho também alerta para a metodologia adotada pelo Datafolha. “Com relação à aprovação das liminares e ao entendimento de que não houve discriminação ou preconceito, parte da compreensão dos números pode ser buscada nas perguntas da própria pesquisa (relatório aqui disponível). Na terceira pergunta, antes de responderem sobre o objetivo dos encontros, os entrevistados foram ‘prevenidos’ de que ‘em alguns dos encontros, porém, houve tumultos e furtos em lojas’. É provável que a introdução de uma tal informação, de claro caráter normativo, tenha influenciado todas as respostas a partir desse ponto.”

#RoleNaRede

Pinheiro-Machado e Scalco constataram que o rolezinho foi o assunto mais debatido nas redes sociais e na mídia impressa entre dezembro de 2013 a janeiro de 2014. “O engajamento crítico da população brasileira pode ser comparado aos protestos que marcaram o país em junho de 2013, constituindo-se uma continuidade do ‘ano que não acabou’.”

 

Estudo realizado pela A2 Comunicações, em parceria com o Scup, monitorou as hashtags #rolezinho, #rolê e #rolezim, durante o período compreendido entre 14 e 30 de janeiro de 2014. Mais de 25 mil itens foram coletados e uma amostragem (10%) foi detalhadamente analisada. Os estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Rio Grande do Sul concentraram o maior número de mensagens sobre os ‘rolezinhos’.

Ele reconhece, porém, que o efeito foi potencializado. “Não há dúvida de que as novas ferramentas comunicacionais, em especial o smartphone associado à internet e às redes sociais, atuam como potencializadoras do fenômeno, facilitando muito a divulgação e colaborando, assim, para que mais eventos ocorram e para que haja mais pessoas presentes.” 

 

“Se nos apoiarmos, porém, na distinção feita por Pinheiro-Machado e Scalco, entre rolezinhos e Rolezinhos, caracterizados como o fenômeno que ganhou visibilidade nacional, poderíamos dizer que a internet foi peça crucial para a consumação desses últimos. De fato, ela tem exercido um papel extremamente importante na “guinada dos populares” observada por Márcio Serelle em A Guinada dos Populares: mídia e vida social no Brasil, contexto no qual as classes mais populares têm aumentado em muito sua presença nos meios midiáticos, inclusive nos tradicionais. É também por causa das novas formas de comunicação que os rolezinhos, quase 20 anos depois de serem cantados pelos Mamonas Assassinas em “Chopis Centis” (1995), saíram do ‘anonimato’.”

Os picos das citações foram registrados nos dias 19 (volume associado à matéria veiculada pelo Fantástico, Rede Globo) e 25 de janeiro, aniversário da cidade de São Paulo, em função do número de eventos marcados. O Twitter concentrou a maioria das menções (39%), seguido pelo Instagram (33%) e Facebook (28%). 

 

E qual é a importância da internet para a organização, divulgação, realização e repercussão dos rolezinhos? O alcance seria o mesmo sem as ferramentas da cibercultura?

 

Rocha Filho lembra que “os rolezinhos existem há anos, em um modo muito próximo do que eles são hoje: reagrupamento de jovens das periferias das grandes cidades que combinam de se encontrar nos shoppings – embora também em outros lugares –, com dia e horário fixos. Ou seja, quando não havia internet, ou quando esta era muito pouco disseminada nos meios populares, os rolezinhos já aconteciam e lotavam os shoppings das regiões mais periféricas de São Paulo. Como me disse o chefe da segurança de um desses shoppings, ‘faz 15 ou 20 anos que isso aqui é igual em todo fim de semana.’” 

#PartiuRolezinho

Você tem sede de quê? Você tem fome de quê?

Ouça o hit "Vem pro Rolezinho",

do MC Chaveirinho

Conheça outras estatísticas aqui

bottom of page